Gastroenterite, Diarreia e Cólera (tipos de gastroenterites), Prevenção, Sinais e Sintomas, Exame de fezes e Tratamento

 Gastroenterite é a inflamação do revestimento do estômago e dos intestinos grosso e delgado. Muitos casos são infecciosos, embora a gastroenterite possa ser secundária à ingestão de fármacos e toxinas químicas (p. ex., metais, substâncias derivadas de plantas). A aquisição pode ser de origem alimentar, transmitida pela água ou disseminada de uma pessoa para outra. Nos EUA, estima-se que 1 em cada 6 pessoas contraia doenças transmitidas por alimentos a cada ano. Os sintomas incluem anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e desconforto abdominal. O diagnóstico é clínico ou por cultura de fezes, embora PCR (polymerase chain reaction) e imunoensaios sejam cada vez mais utilizados. O tratamento é sintomático, embora algumas infecções parasitárias e bacterianas requeiram tratamento anti-infeccioso específico.

As gastroenterites geralmente são desconfortáveis, mas autolimitadas. A perda de líquidos e eletrólitos costuma ser de pequena monta em adultos saudáveis, mas pode ser grave em pessoas muito jovens ( Desidratação em crianças), idosas ou imunocomprometidas ou que têm doença grave concomitante. Em todo o mundo, estima-se que 1,5-2.5 milhão de crianças morram anualmente de gastroenterite infecciosa (1); embora alto, esse número representa metade a um quarto da mortalidade anterior. Melhorias no saneamento de água em muitas regiões do mundo e o uso adequado de terapia de reidratação oral para lactentes com diarreia provavelmente são os responsáveis por essa diminuição.


Referência geral

1. Sattar SBA, Singh S: Bacterial gastroenteritis [Updated 2019 Mar 8]. Em StatPearls (Internet). Treasure Island, StatPearls Publishing, 2020.

Etiologia

As gastroenterites infecciosas podem ser causadas por vírus, bactérias ou parasitas. Muitos organismos específicos são discutidos no tópico Doenças Infecciosas.

Gastroenterite viral

Os vírus envolvidos com mais frequência são

  • Norovírus
  • Rotavírus

Os vírus são as causas mais comuns de gastroenterites nos EUA. Infectam os enterócitos no epitélio viloso do intestino delgado, resultando em transudação de líquidos e sais para a luz intestinal. O resultado é o transudato de líquido e eletrólitos na luz intestinal; algumas vezes, a má absorção de carboidratos agrava os sintomas causando diarreia osmótica. A diarreia é aquosa. A diarreia inflamatória (disenteria), com perda fecal de leucócitos e eritrócitos ou mesmo sangue vivo, é incomum. Quatro categorias de vírus causam a maioria das gastroenterites: norovírus e rotavírus causam a maioria das gastroenterites virais, seguidos pelo astrovírus e adenovírus entérico.

O norovirus infecta pessoas de todas as idades. Desde a introdução das vacinas contra o rotavírus, o norovírus tornou-se a causa mais comum de gastroenterite aguda nos EUA, inclusive em crianças. Infecções ocorrem o ano inteiro, mas 80% acontecem de novembro a abril. Norovírus é agora a principal causa de gastroenterite viral esporádica e epidêmica em todas as faixas etárias; mas o pico etário é entre 6 meses e 18 meses. Ocorrem grandes surtos por causa de contaminação hídrica e alimentar. A transmissão de uma pessoa a outra também acontece, já que o vírus é altamente contagioso. Esse vírus causa a maior parte dos casos de epidemias de gastroenterite em navios de cruzeiro e em lares de idosos. Sua incubação é de 24 a 48 horas.

O rotavírus é a causa mais comum de diarreias esporádicas, graves e que provocam desidratação em crianças menores em todo o mundo (com pico de incidência dos 3 aos 15 meses de idade). Sua incidência diminuiu em cerca de 80% nos EUA desde a introdução da imunização rotineira contra rotavírus. O rotavírus é altamente contagioso; muitas infecções ocorrem por via oro-fecal. Os adultos podem ser infectados depois de contato próximo com uma criança infectada. A doença em adultos geralmente é branda. A incubação é de 1 a 3 dias. Nos climas temperados, muitas infecções acontecem durante o inverno. A cada ano nos EUA, uma onda de rotavírus se inicia no sudoeste em novembro e termina no nordeste em março.

O astrovírus pode infectar pessoas de todas as idades, mas geralmenteatinge lactentes e crianças pequenas. A infecção é mais comum no inverno. A transmissão é por via fecal-oral. Sua incubação é de 3 a 4 dias.

Os adenovírus são a 4ª causa mais comum de diarreia viral na infância. As infecções ocorrem durante todo o ano, com discreto aumento no verão. Crianças com < 2 anos de idade são as primeiras a se infectar. A transmissão é por via fecal-oral. Sua incubação é de 3 a 10 dias.

Em hospedeiros imunodeprimidos, outros vírus (p. ex., citomegalovírus, enterovírus) podem causar gastroenterites.


Gastroenterite bacteriana

As bactérias mais comumente envolvidas são

  • Salmonella
  • Campylobacter
  • Shigella
  • Escherichia coli (especialmente o sorotipo O157:H7)

Clostridium difficile

A gastroenterite bacteriana é menos comum que a viral. As bactérias causam gastroenterite por vários mecanismos.

Enterotoxinas são produzidas por certas espécies (p. ex., Vibrio cholerae, cepas enterotoxigênicas de E. coli) que aderem à mucosa intestinal sem invadi-la e produzem enterotoxinas. Essas toxinas dificultam a absorção intestinal e provocam secreção de água e eletrólitos pelo estímulo da adenilciclase, resultando em diarreia aquosa. C. difficile produz uma toxina similar.

Exotoxinas que são ingeridas em alimentos contaminados são produzidas por algumas bactérias (p. ex., Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Clostridium perfringens). Essa exotoxina pode causar gastroenterite sem infecção bacteriana. Essas toxinas geralmente causam náuseas, vômitos e diarreias agudos em cerca de 12 horas após a ingestão do alimento contaminado. Os sintomas melhoram em 36 horas.


Invasão da mucosa ocorre com outras bactérias (p. ex., Shigella, Salmonella, Campylobacter, C. difficile, algumas cepas de Escherichia coli) que invadem a mucosa do intestino delgado ou cólon e provocam ulcerações microscópicas, sangramento, exsudação de líquido rico em proteínas e secreção de eletrólitos e água. O processo de invasão e suas consequências podem ocorrer com ou sem a produção de enterotoxinas. A diarreia resultante contém leucócitos e eritrócitos e, às vezes, sangue vivo.


Salmonella e Campylobacter são as causas comuns de doença diarreica bacteriana nos EUA. Ambas são adquiridas com mais frequência por meio de carne de aves malcozida; leite não pasteurizado também é uma possível fonte. Campylobacter é ocasionalmente transmitido por cães ou gatos com diarreia. Salmonella pode ser transmitida consumindo ovos malcozidos e por contato com répteis, pássaros ou anfíbios. As espécies de Shigella são o agente etiológico mais comum da diarreia bacteriana nos EUA e costumam ser transmitidas de uma pessoa para outra, embora ocorram epidemias de contágio por alimentos. Shigella dysenteriae tipo 1 (não presente nos EUA) produz toxina shiga, que pode causar síndrome hemolítico-urêmica.


Vários subtipos de E. coli causam diarreia. A epidemiologia e as manifestações clínicas variam muito dependendo do subtipo:


E. coli Entero-hemorrágica é o subtipo clinicamente mais significativo nos EUA. Produz toxina shiga, que causa diarreia sanguinolenta (colite hemorrágica). Assim, esses subtipos são às vezes denominados E. coli produtoras de toxina Shiga (STEC). E. coli O157:H7 é a cepa mais comum desse subtipo nos EUA. Carnes mal cozidas, leite e sucos não pasteurizados e água contaminada são as fontes prováveis. A transmissão interpessoal é comum no dia a dia. Relataram-se também surtos associados à exposição à água em contextos recreativos (p. ex., piscinas, lagos, parques aquáticos). A síndrome hemolítico-urêmica é uma complicação grave que se desenvolve em 5 a 10% dos casos de STEC (e 10 a 15% de O157:H7), mais comumente entre os jovens e idosos.

E. coli enterotoxigênica produz dois tipos de toxinas (uma similar à toxina da cólera) que causam diarreia aquosa. Esse subtipo é a causa mais comum de diarreia do viajante em pessoas que visitam países em desenvolvimento.

E. coli enteropatogênica causa diarreia aquosa. Outrora causa de surtos de diarreia em enfermarias, esse subtipo é raro no momento.

E. coli enteroinvasiva causa diarreia com e sem sangue, principalmente em países em desenvolvimento. É rara nos EUA.

E. coli Enteroagregativa provoca diarreia de menor gravidade, mas com maior duração do que os outros subtipos. Como acontece com alguns dos outros subtipos, é mais comum no mundo em desenvolvimento e pode ser uma causa da diarreia do viajante.

Cada um desses subtipos de E. coli podem ser detectados nas fezes por PCR (polymerase chain reaction), tipicamente usando um painel multiplexado. Às vezes, mais de um organismo é detectado simultaneamente, cuja significância clínica não é clara.

No passado, a infecção por Clostridium difficile ocorria quase exclusivamente em pacientes hospitalizados que recebiam antibióticos. Com o surgimento da cepa hipervirulenta NAP1 nos EUA no final dos anos 2000, muitos casos ocorridos na comunidade estão surgindo agora. C. difficile agora é provavelmente o agente etiológico mais comum da diarreia bacteriana nos EUA.


Várias outras bactérias causam gastroenterite, mas muitas são incomuns nos EUA. Yersinia enterocolitica pode causar gastroenterite ou uma síndrome que mimetiza apendicite. Transmite-se por carne de porco mal cozida, leite não pasteurizado ou água contaminada. Várias espécies de Vibrio (p. ex., V. parahaemolyticus) causam diarreia após ingestão de frutos do mar mal cozidos. V. cholerae às vezes causa diarreia com desidratação grave nos países em desenvolvimento e é uma preocupação particular após desastres naturais ou em campos de refugiados. Listeria raramente pode causar gastroenterite transmitida por alimentos, mas mais frequentemente causa infecção na corrente sanguínea ou meningite em gestantes, recém-nascidos (ver Listeriose neonatal) ou idosos. Aeromonas é adquirida ao nadar ou beber água contaminada. Plesiomonas shigelloides pode causar diarreia em pacientes que tenham comido moluscos frescos ou viajado a regiões tropicais do mundo em desenvolvimento.


Gastroenterite parasitária

Os parasitas implicados com mais frequência são:

  • Giardia
  • Cryptosporidium

Certos parasitas intestinais, mais notadamente a Giardia intestinalis (G. lamblia), aderem-se ou invadem a mucosa intestinal, causando náuseas, vômitos, diarreia e mal estar geral. A giardíase ocorre em todas as regiões dos EUA e por todo o mundo. A infestação pode se tornar crônica e causar síndrome de má absorção. Costuma ser adquirida por contato interpessoal (em geral em centros de tratamento diário) ou por água contaminada.


Cryptosporidium parvum causa diarreia aquosa, às vezes acompanhada por cólicas abdominais, náuseas e vômitos. Em indivíduos saudáveis, a doença é autolimitada, durando cerca de 2 semanas. Nos pacientes imunodeprimidos, a doença pode ser grave e prolongada, causando perda substancial de líquidos e eletrólitos. Cryptosporidium é geralmenteadquirido por meio de água contaminada. Ele não é facilmente morto por cloro e é a causa mais comum de doença adquirida por recreação em água contaminada nos EUA, responsável por cerca de três quartos dos surtos.

Outros parasitas que provocam sintomas similares aos da criptosporidiose são Cyclospora cayetanensis e, em pacientes imunodeprimidos, Cystoisospora (Isospora) belli, e uma série de microrganismos chamados microsporídios (p. ex., Enterocytozoon bieneusi, Encephalitozoon intestinalis). Entamoeba histolytica (ver Amebíase) é uma causa comum de diarreia sanguinolenta subaguda nos países em desenvolvimento, mas é rara nos EUA.

Sinais e sintomas

O caráter e a gravidade dos sintomas da gastroenterite variam. Em geral, o início é súbito, com anorexia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarreia (com ou sem sangue e muco). Mal-estar, mialgias e prostração podem ocorrer. O abdome pode estar distendido ou moderadamente sensível; nos casos graves, pode haver reação de defesa. Alças intestinais distendidas por gás podem ser palpáveis. Sons intestinais hiperativos estão presentes na ausculta mesmo quando não há diarreia (uma característica diferencial muito importante do íleo paralítico, em que os sons intestinais estão ausentes ou diminuídos). Vômitos persistentes e diarreia podem causar depleção de líquidos com hipotensão e taquicardia. Nos casos mais graves pode ocorrer choque, com choque vascular e insuficiência renal oligúrica.

Quando os vômitos forem a principal causa de perda de líquidos, pode aparecer alcalose metabólica com hipocloremia. Se a diarreia for mais proeminente, a acidose metabólica é mais frequente. Tanto os vômitos quanto a diarreia podem provocar hipopotassemia. A hiponatremia pode se desenvolver, em particular se líquidos hipotônicos forem usados como tratamento de reposição.

Gastroenterite viral

Nas infecções virais, diarreia aquosa é o sintoma mais comum; fezes raramente contêm muco ou sangue.


A gastroenterite por rotavírus em lactentes e crianças pequenas pode durar de 5 a 7 dias. Vômitos ocorrem em 90% dos pacientes e febre > 39° C (> 102,2° F) ocorre em cerca de 30%.

O norovírus tipicamente causa episódios agudos de vômitos, cólicas abdominais e diarreia com sintomas com duração de apenas 1 a 2 dias. Nas crianças, os vômitos são mais proeminentes do que a diarreia, ao passo que nos adultos, a diarreia geralmentepredomina. Pacientes também podem apresentar febre, cefaleia e mialgias.

O ponto marcante das gastroenterites por adenovírus é diarreia com duração de 1 a 2 semanas. Os lactentes e as crianças afetados podem ter vômitos leves, que classicamente começam 1 a 2 dias após o início da diarreia. Febre baixa aparece em cerca de 50% dos pacientes. Sintomas respiratórios podem estar presentes. Os sintomas geralmente são leves, mas podem durar mais do que em outras causas virais da gastroenterite.

O astrovírus causa síndrome similar a uma infecção branda por rotavírus.

Gastroenterite bacteriana

Bactérias que causam doença invasiva (p. ex., Shigella, Salmonella) têm maior probabilidade de causar febre, prostração e diarreia com sangue.

E. coli O157:H7 geralmente começa com diarreia aquosa por 1 a 2 dias, seguida de diarreia com sangue. A febre é ausente ou baixa.

O espectro da doença com infecção por C. difficile varia de cólicas abdominais leves e diarreia cheia de muco à colite hemorrágica grave e choque.

Bactérias que produzem uma enterotoxina (p. ex., S. aureus, B. cereus, C. perfringens) geralmente causam diarreia aquosa. S. aureus e algumas cepas de B. cereus causam predominantemente vômitos.


Gastroenterite parasitária

As infestações parasitárias tipicamente provocam diarreia subaguda ou crônica. A maioria causa diarreia sem sangue; uma exceção é E. histolytica, que causa disenteria amébica (ver Amebíase). Fadiga e perda ponderal são comuns nos casos de diarreia persistente.

Diagnóstico

Avaliação clínica

Exame de fezes em casos específicos

Outras doenças gastrintestinal que causam sintomas semelhantes (p. ex., apendicite, colecistite, colite ulcerativa) devem ser excluídas (ver também avaliação da diarreia).


Resultados sugestivos da gastroenterite incluem diarreia aquosa intensa, ingestão de alimentos potencialmente contaminados (particularmente durante um surto conhecido), água de superfície não tratada ou um irritante gastrintestinal conhecido; viagem recente; ou contato com certos animais ou pessoas de forma semelhante enfermas.


E. coli O157:H7 induzida por diarreia é conhecido por ser um processo hemorrágico em vez de infeccioso, manifestando-se como sangramento gastrintestinal com poucas ou nenhuma fezes. A síndrome hemolítico-urêmica pode surgir na sequência e é caracterizada por falência renal e anemia hemolítica.

O uso recente de antibióticos orais (em um período de 3 meses) deve levantar suspeita de infecção por C. difficile. Contudo, cerca de um quarto dos pacientes com infecção por C. difficile adquirida na comunidade não tem uma história de uso recente de antibióticos.


Exame de fezes

O exame de fezes é orientado por achados clínicos e organismos suspeitos com base na história do paciente e em fatores epidemiológicos (p. ex., imunossupressão, exposição a um surto conhecido, viagens recentes, uso recente de antibióticos). Os casos são tipicamente estratificados em


Diarreia aquosa aguda

Diarreia aquosa subaguda ou crônica

Diarreia inflamatória aguda

Plataformas de PCR (polymerase chain reaction) multiplex que podem identificar organismos causadores em cada uma dessas categorias estão sendo utilizadas com mais frequência. Entretanto, esse exame é caro e, como as categorias são clinicamente indiferenciáveis, geralmente é mais econômico testar para micro-organismos específicos dependendo do tipo e da duração da diarreia. Além disso, o teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) não permite o teste de sensibilidade aos antimicrobianos.


Diarreia aquosa aguda é provavelmente viral e testes não são indicados a menos que a diarreia persista. Embora infecções por rotavírus e adenovírus entéricos possam ser diagnosticadas usando testes rápidos comercialmente disponíveis que detectam o antígeno viral nas fezes, esses ensaios raramente são indicados.


Diarreia aquosa subaguda e crônica exige testes para causas parasitárias, tipicamente com exame microscópico de fezes para ovos e parasitas. Há testes de antígeno fecal disponíveis para Giardia, Cryptosporidia e Entamoeba histolytica sendo mais sensíveis do que o exame microscópico de fezes.


Pode-se reconhecerdiarreia inflamatória aguda sem sangue visível pela presença de leucócitos no exame de fezes. Pacientes devem ter material submetido à cultura fecal para patógenos entéricos típicos (p. ex., Salmonella, Shigella, Campylobacter, E. coli).


Diarreia inflamatória aguda com sangue visível deve ser prontamente testada para infecção por E. coli O157:H7, assim como a diarreia sem sangue durante um surto conhecido. Culturas específicas devem ser solicitadas, já que esse microrganismo não é detectado pelos meios de cultura tradicionais. Alternativamente, pode-se fazer um ensaio rápido enzimático para detectar toxina Shiga nas fezes; um teste positivo indica infecção por E. coli O157: H7 ou um dos outros sorotipos de E. coli entero-hemorrágica. (NOTA: espécies Shigella nos EUA não produzem toxina Shiga.) No entanto, um ensaio imunoenzimático rápido não é tão sensível quanto uma cultura. O PCR (polymerase chain reaction) é utilizado para detectar a toxina Shiga em alguns centros.


Adultos com diarreia francamente sanguinolenta em grande quantidade devem ser submetidos a retossigmoidoscopia com cultura e biópsias. A aparência da mucosa do cólon pode ajudar no diagnóstico de disenteria amebiana, shigelose e E. coli O157:H7, embora a colite ulcerativa possa causar lesões similares.


Pacientes com história de uso recente de antibióticos ou outros fatores de risco de infecção por C. difficile (p. ex., doença inflamatória intestinal, uso de inibidores da bomba de prótons) devem fazer um exame de fezes a procura da toxina do C. difficile. Contudo, os exames também devem ser feitos em pacientes com doença grave, mesmo quando esses fatores de risco não estão presentes, porque cerca de 25% dos casos de infecção por C. difficile atualmente ocorrem em pessoas sem fatores de risco identificados. Historicamente, imunoensaios enzimáticos para toxinas A e B têm sido utilizados para diagnosticar a infecção por C. difficile. Contudo, demonstrou-se que os testes de amplificação de ácidos nucleicos que têm por alvo um dos genes da toxina C. difficile ou seus reguladores têm uma sensibilidade mais alta e agora são os testes diagnósticos preferidos.


Exames gerais

Eletrólitos no soro, nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina devem ser obtidos para avaliar grau de desidratação e condição ácido-base em pacientes que aparentam estar seriamente enfermos. O hemograma completo (HC) é inespecífico, embora eosinofilia possa indicar infestação parasitária. Testes de função renal e hemogramas devem ser realizados cerca de 1 semana após o início dos sintomas em pacientes com E. coli O157:H7 para detectar a síndrome hemolítico-urêmica de início precoce. Não está claro se esse teste é necessário em pacientes com infecção em que a toxina Shiga não é produzida por E. coli O157:H7.


Tratamento

Reidratação oral ou IV

Considerar o uso de antidiarreicos se não houver suspeita de infecção por C. difficile ou E. coli O157:H7

Antibióticos somente em casos específicos

Basta o tratamento de suporte para a maioria dos pacientes. O repouso no leito com acesso a um banheiro ou comadre é desejável. Soluções orais com glicose e eletrólitos, caldo ou canja podem ajudar a prevenir ou mesmo tratar casos de desidratação leve. Mesmo que esteja vomitando, o paciente deve tomar pequenas doses desses líquidos; os vômitos diminuirão com a reposição de líquidos. Para pacientes com infecção por E. coli O157:H7, a reidratação com líquidos IV isotônicos pode atenuar a gravidade de qualquer lesão renal em caso de se desenvolver síndrome hemolítico-urêmica. As crianças podem desidratar-se mais rapidamente e devem receber solução de reidratação oral apropriada (várias estão disponíveis comercialmente — Reidratação oral). Bebidas gasosas e soluções para hidratação de esportistas não apresentam frações adequadas de sódio e glicose e, portanto, não são adequados; especialmente para crianças com < 5 anos. Se a criança for tratada ainda em fase de aleitamento materno, a amamentação deve continuar. Nos casos de vômitos incoercíveis e desidratação acentuada, a reposição volêmica intravenosa com líquidos e eletrólitos pode ser realizada, quando necessário ( Reanimação volêmica intravenosa).


Quando o paciente tolera bem os líquidos, não está vomitando e o apetite já começa a retornar, a alimentação deve ser gradualmente recomeçada. Não existe qualquer benefício comprovado na restrição de alguns alimentos (cereais, gelatina, bananas e torradas). Alguns pacientes podem desenvolver intolerância temporária à lactose.


Agentes antidiarreicos são seguros para pacientes com > 2 anos de idade com diarreia aquosa (como demonstrado em fezes negativas para sangue). Entretanto, antidiarreicos podem causar a deterioração de pacientes com infecção por E. coli C. difficile ou E. coli O157:H7, não devendo, portanto, ser tomados por nenhum paciente com história de uso recente de antibióticos ou fezes com sangue oculto positivo à espera de diagnóstico definitivo. Antidiarreicos efetivos incluem loperamida, 4 mg por via oral seguida por 2 mg por via oral para cada nova evacuação (máximo de 6 doses/dia ou 16 mg/dia) ou difenoxilato, 2,5 a 5 mg, 3 ou 4 vezes/dia, em comprimidos ou líquido. Em crianças, utiliza-se a loperamida. A dose para crianças com 13 a 21 kg é 1 mg após as primeiras fezes moles e então 1 mg após cada evacuação diarreica subsequente (a dose máxima é 3 mg/dia); para crianças com 21 a 28 kg, 2 mg após as primeiras fezes moles e então 1 mg após cada evacuação diarreica subsequente (a dose máxima é 4 mg/dia); e para crianças com 27 a 43 kg, até 12 anos de idade, 2 mg após as primeiras fezes moles, seguidas de 1 mg após cada evacuação diarreica subsequente (a dose máxima é 6 mg/dia).


Nos casos de vômitos intensos, com cirurgia excluída, um antiemético pode ser benéfico. Fármacos indicados para adultos são a proclorperazina 5 mg a 10 mg IV 3 ou 4 vezes/dia ou 25 mg via retal 2 vezes/dia, e prometazina 12,5 mg a 25 mg IM 3 ou 4 vezes/dia, ou 25 mg a 50 mg via retal 4 vezes/dia. Em geral, evitam-se esses agentes em crianças em razão da falta de provas concretas e da alta incidência de reações distônicas. A ondansetrona é segura e eficaz para diminuir náuseas e vômitos em crianças e adultos, incluindo aqueles com gastroenterite, e está disponível como comprimido padrão, pílula de desintegração oral ou formulação IV. A dose para adultos é de 4 ou 8 mg por via oral ou IV 3 vezes ao dia. Para crianças, a dose IV é 0,15 ou 0,3 mg/kg (máximo de 16 mg) e a dose oral para crianças com 8 a 15 kg é 2 mg, para crianças > 15 a 30 kg, é 4 mg e para crianças > 30 kg, é 8 mg. Uma dose única de ondansetrona é geralmente adequada para crianças, mas, se necessário, a dose pode ser repetida a cada 8 horas para mais 2 doses; crianças que ainda vomitam após 24 horas exigem reavaliação.


Embora os probióticos pareçam encurtar brevemente a duração da diarreia, não há evidências suficientes de que eles afetem os principais desfechos clínicos (p. ex., diminuir a necessidade de hidratação IV e/ou internação) de modo a apoiar o seu uso rotineiro no tratamento ou na prevenção da diarreia infecciosa.


Antimicrobianos

Em geral, não se recomendam antibióticos empíricos, com exceção de alguns casos de diarreia do viajante ou quando houver suspeita de infecção por Shigella ou Campylobacter (p. ex., contato com caso conhecido). Por outro lado, os antibióticos para serem administrados necessitam do resultado da coprocultura, em particular em crianças, que têm alto índice de infecção por E. coli O157:H7 (os antibióticos aumentam o risco de síndrome Hemolítico-urêmica em pacientes infectados por E. coli O157:H7).


Nas gastroenterites sabidamente bacterianas, os antibióticos nem sempre são necessários. Não ajudam nos casos de Salmonella e prolongam sua eliminação com as fezes. Exceções são feitas aos pacientes imunodeprimidos, neonatos e com bacteremia por Salmonella. Antibióticos também são ineficazes contra gastroenterites tóxicas (p. ex., S. aureus, B. cereus, C. perfringens). O uso indiscriminado de antibióticos aumenta a chance do surgimento de cepas resistentes a esses fármacos. Mas certas infecções requerem antibióticos ( Antibióticos orais indicados para gastroenterites infecciosasa*).


O tratamento inicial da colite por C. difficile envolve, se possível, a interrupção do antibiótico causador. O fármaco de escolha para tratar a colite por C. difficile é a vancomicina oral, que é melhor que o metronidazol. Infelizmente, há recidiva em cerca de 20% dos pacientes que recebem vancomicina. Um fármaco mais recente, a fidaxomicina, pode ter uma recidiva ligeiramente menor, mas é cara e não foi aprovada para as crianças. Muitos centros usam o transplante microbiano fecal para pacientes com múltiplas recorrências de colite por C. difficile. Demonstrou-se que esse tratamento é seguro e eficaz em adultos e crianças ( Tratamento).


Para criptosporidiose, um curso de 3 dias de nitazoxanida pode ser útil em pacientes imunocompetentes. Sua posologia é de 100 mg por via oral 2 vezes dia, para crianças de 1 a 3 anos de idade, 200 mg por via oral 2 vezes/dia para crianças de 4 a 11 anos e 500 mg por via oral 2 vezes/dia para crianças com ≥ 12 anos e adultos. Giardíase é tratada com metronidazol ou nitazoxanida.


Prevenção

Estão disponíveis duas vacinas vivas atenuadas contra rotavírus que são seguras e eficazes contra a maioria das cepas responsáveis pela doença. A imunização contra rotavírus é parte do programa de vacinação infantil recomendado ( Cronograma de imunização recomendado para idades de 0–6 anos).


A prevenção da infecção é complicada pela frequência de casos assintomáticos e pela facilidade como alguns agentes, em particular vírus, são transmitidos de uma pessoa a outra. Em geral, procedimentos adequados no preparo e manuseio de alimentos devem ser seguidos. Viajantes devem evitar alimentos e bebidas potencialmente contaminados.

Para evitar infecções transmitidas por águas recreativas, as pessoas não devem nadar se tiverem diarreia. Deve-se frequentemente verificar as fraldas de lactentes e crianças pequenas e devem ser trocadas em um banheiro e não perto da água. Os nadadores devem evitar engolir água ao nadar.


Lactentes e outras pessoas imunodeprimidas são particularmente predispostas a desenvolver casos graves de salmonelose e não devem ser expostos a répteis, aves e anfíbios, que normalmente carregam Salmonella.

A amamentação natural dá alguma proteção para recém-nascidos e crianças. Os cuidadores devem lavar as mãos completamente com sabão e água após cada troca de fraldas e as áreas onde as fraldas são trocadas devem ser desinfetadas com solução de água sanitária 1:64 recentemente preparada (aproximadamente 1 colher de sopa diluída em 1 litro de água). Crianças com diarreia devem ser isoladas de ambientes frequentados por outras crianças saudáveis enquanto perdurarem os sintomas. Crianças infectadas por E. coli êntero-hemorrágica ou Shigella devem apresentar dois testes fecais negativos antes do retorno a ambientes com outras crianças.

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